quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pedro, O Lobo

Alfer Medeiros


Sou homem, sou lobo, sou ambos.

Seres como eu são conhecidos por muitos nomes, com origens obscuras, soterradas sob montanhas de superstição, depoimentos desencontrados e falsas crenças religiosas. Não conheço outros da minha espécie, portanto não sei se são reais os fatos narrados por forasteiros de outros reinos, ou as histórias contadas de geração em geração pelo povo daqui.

Muitos chamam de maldição. Eu chamo de dom. Antes de conhecer meus dotes lupinos, era um pobre camponês, vivendo sob a mão de ferro de um senhor feudal inescrupuloso. Vivia na miséria, trabalhando como um burro de carga, para poder pagar os pesados tributos ao feudo e à Igreja.

Quando, aos quinze anos de idade, meu corpo subitamente se transformou durante uma noite de agonia febril, achei que morreria. Ao invés disso, tornei-me um ser fantástico, metade homem, metade lobo. A dor da transformação não é nada, comparada à glória de ser uma força incontrolável da natureza.

A partir daí, me tornei livre. A noite passou a ser minha amante, sempre de braços abertos a me esperar. As agonias de um dia desesperançoso, de trabalho árduo, passaram a ser suportadas com a lembrança das madrugadas de liberdade irrestrita que me aguardavam.

Minhas rondas noturnas resumiam-se a corridas pelas florestas e, vez ou outra, devorar animais de pequeno porte. Essa preferência mudou quando, por acaso, deparei-me com o maléfico senhor feudal, em uma de suas diversas escapadas adúlteras, na floresta próxima às suas propriedades.

Não acredito em destino, nem em sorte. Sei somente que, quando uma boa oportunidade surge nesta vida carente de recompensas, eu a agarro com unhas e dentes. Literalmente. E foi exatamente isso que fiz naquele momento, começando pela cortesã devassa que refestelava-se em luxúria, deitada na relva. Mordidas e arranhões inumanos desfilaram sobre a brancura de seu magnífico corpo feminino.

Seu companheiro de prazeres carnais, o objeto principal de meu ódio, correu desesperadamente pela floresta escura, ao se deparar com a terrível visão da cortesã estraçalhada. Toda a rudez com a qual maltratava as pessoas ao seu redor extinguiu-se ao som de seus gritos afeminados de terror. Toda a pompa do nobre que arrogantemente ostentava brasões e armas reais, do alto de seu cavalo, sumiu enquanto ele corria aos tropeços, nu da cintura para baixo.

Eu permiti propositalmente que empreendesse tal fuga. Da mulher, queria apenas me alimentar da carne. Em relação a ele, desejava me embebedar de medo, saborear a doce vingança e extravasar todo o ódio irracional que acumulei durante toda a minha vida serviçal e miserável. E foi assim que iniciou-se a melhor caçada da qual já fiz parte.

Perdi a noção de quanto tempo corri sobre quatro patas em seu encalço, derrubando-o frequentemente, urrando sobre sua face exangue, arranhando superficialmente sua pele, mordendo pernas e braços, para depois deixá-lo correr novamente, alimentando a esperança de que conseguiria escapar. Muito me diverti forçando-o a correr em círculos.

No momento em que minha audição privilegiada captou sons de guardas vindo em auxílio de seu senhor, acabei com a existência mesquinha do maldito. Uma orgia de sangue e restos humanos tomou conta da clareira na qual decidi liberar minha fúria irracional. Quando parti para o coração da floresta, senti-me mais leve e deixei para trás pedaços de carne irreconhecíveis.

A partir de então, tenho vagado por diversas paragens, vivendo como um andarilho sem rumo. A peste negra e a opressão dos senhores e da Igreja impedem que os sofridos camponeses possam me oferecer algum tipo de ajuda. Mas isso não importa, pois à noite, quando me dispo de minha pele humana, consigo o alimento e a liberdade, dos quais necessito para viver.

As histórias a meu respeito multiplicam-se. Sou confundido com feras selvagens, demônios e guerreiros sanguinários. A Santa Igreja empreende uma imensa caçada por suas terras, matando diversos inocentes no seu supersticioso caminho de destruição. Eu não me preocupo com eles, pois quando minha hora chegar, cairei lutando. Enquanto isso, uivos ameaçadores vão pontuando a sinfonia lupina que rege minha vida.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O Outro Lado Da Morte

O Outro Lado Da Morte

Vinicius S. Reidryk

“Não sabemos para onde nós vamos após a morte. Pecamos demais.” A Cada dia eu penso estar distante de todos, “na verdade eu já fui há muito tempo.” Meu pai, minha mãe, minha família, como eu gostaria de voltar e vê-los pela última vez.

- Onde estou? – acordei ofegante de um longo pesadelo, “mas o que fazia a minha alma fora do meu corpo olhando para mim?!”
- Mary, você está bem? – perguntou o doutor preocupado, pois ela não parava de olhar para a porta. O que tem a porta? É branca não é? – ele deu um leve sorriso.

Ela emudeceu.
Os pais entraram preocupados com a filha e viram que ela os fitava, mas na verdade era ela mesma, a imagem de sua alma. Choraram ao perceber que ela não respondia... estava paralisada... não respirava...A sua alma virou-se de costas e saiu passando por dentro de seus pais. A menina olhou para o lado e viu que seus batimentos estavam no limite e lamentou-se com a última lágrima, esta foi a última vez em que vira a sua família.

- Mary...- uma voz sussurrava em seu ouvido e enfim apareceu com suas belas asas brancas diante da menina, ele tocou em sua testa e levou-a gentilmente.

Agora a menina foi entregue aos céus onde não haverá sofrimento e sim paz, alegria... E ficará esperando para reencontrá-los novamente.